A festa da democracia
É curioso e irônico que o lugar em que devemos votar se chame 'zona'. Da mesma forma que a palavra 'partido' (político), em inglês, seja 'party', a mesma que se usa para 'festa' no mesmo idioma. Afinal, poucas palavras definiriam melhor a política, especialmente a brasileira: zona e festa.
Da última vez que escrevi um texto com minha opinião sobre política, onde tracei um paralelo com a cultura pop e usei de ironia e do humor que (quem me conhece, sabe) me é característico, não fui muito bem recebido (ou talvez compreendido) por muitos, e claro, acabei gerando treta. Após aderir ao Deboísmo, decidi parar de gerar e entrar em tretas, assim, gradativamente, diminuí até praticamente parar de falar sobre política e compartilhar tais coisas na net.
Assim funciona o mundo nos nossos dias: se quisermos ter uma vida saudável, amigos e preferimos usar redes sociais e conversas em nossas rodas de amizade como mero entretenimento, devemos simplesmente evitar determinados assuntos. Não se trata de covardia. É bom senso.
Hoje, porém, resolvi, mais uma vez, tentar me divertir e quebrar essa regra pessoal de não falar sobre assuntos polêmicos.
Falar sobre política sempre foi um tabu, é bem verdade. No entanto, há alguns anos, se tornou insuportável. Não sei quando começou, nem o porquê. Acredito, porém, que um grande agravador seja a internet. Antes, essas conversas ficavam nas mesas de bar e costumavam vir à tona somente em determinadas ocasiões, como a época das eleições. As pessoas sempre tiveram opiniões divergentes e sempre demonstraram isso umas às outras, as vezes um pouco mais asperamente, mas quase sempre isso ficava por aí mesmo. Todo mundo voltava às suas vidas e ninguém se metia na sua opinião, no máximo fazia piada. Esse, afinal, é um dos princípios da democracia.
Com a internet, isso se potencializou de tal forma que saiu do controle. Hoje tudo, absolutamente tudo se torna motivo pra encheção de saco.
- Eu gosto de azul.
- Tá maluco?! Azul é uma imposição da sociedade machista! Você só gosta de azul porque te disseram quando criança que azul é a cor do poder. Além do mais, azul é a cor da direita elitista.
- Eu gosto de rosa.
- Até você foi afetado por essa ditadura gayzista? Rosa é cor de viadinho! Nem mulher gosta de rosa, mulher de verdade gosta de vermelho, que é a cor da paixão e que atrai a atenção dos homens! Isso que dá ficarem distribuindo cartilha gay nas escolas! Gay não reproduz! - Miga, sua loca! Rosa é imposição da sociedade dizendo que mulheres tem que gostar de rosa. Você tem que usar a cor que quiser, seu corpo, suas regras. O mundo não é só rosa e azul, tem muito arco-íris no meio dos dois.
- Eu sou vascaíno.
- Segunda divisão! Vice! Vai lá no seu estádio na favela! Não tem mundial! Como alguém pode torcer pro vascú? Você é retardado!
- Eu sou flamenguista.
- Ladrão, analfabeto! 87 é do Sport! Flapress! Você só Flamengo porque a imprensa te força a ser! Não tem estádio!
- Eu admiro o Danilo Gentili e curto o som do Lobão.
- Coxinha! Tucano! Bolsominion!
- Eu curto Detonautas e a poesia do Gregório Duvivier.
- Mortadela! Petralha! Vai pra Cuba!
Que fique claro que não sou contra a zuera, jamais. A zuera sempre será válida e bem vinda. A questão é que as pessoas parecem ter enlouquecido. Todos parecem membros de uma torcida organizada repleta de hooligans prontos e sedentos pra espancar aqueles que ao menos pareçam divergentes de suas ideias. Pra tudo, sempre, só existem dois lados: o meu e o errado. Tenho amigos que levam absolutamente todos os assuntos pra política e sempre encontram um jeito de argumentar e mostrar que determinado lado está errado e quer dominar o outro através de algum tipo de conspiração mirabolante e/ou lavagem cerebral.
Nos dois ou três últimos anos, a internet virou praticamente uma zona de guerra onde amizades são desfeitas, a reclamação impera e chove desrespeito. Ler comentários, especialmente nos grandes portais, é extremamente doloroso. Não consigo definir em palavras a sensação. E eu repito: isso acontece em absolutamente todos os assuntos.
Já me perguntei diversas vezes onde essas pessoas se escondiam e destilavam seu ódio e idiotice antes da internet. Afinal, elas sempre estiveram aí e agora tem voz, ou a internet realmente ajudou a formar esses caráteres horrorosos?
Apesar de a idiotice, ignorância, falta de empatia e desrespeito estarem mesmo em todos os lugares e assuntos, é na política que elas gostam de mostrar e são mais fortes. E o que mais me impressiona nisso, é o fato de que isso é um fanatismo sem sentido. Não que qualquer fanatismo não o seja. Mas na política, os caras realmente querem mais é que você se foda. Não importa pra qual 'time' você torce. Você está e será fudido de qualquer forma.
Como eu disse (ou achei que tivesse dito) no meu texto sobre House of Cards (já linkado lá em cima), a política é um arcade, onde o povo acha que tá controlando, mas na verdade só está pagando a ficha e/ou assistindo a máquina jogar no modo demo.
Na série, o protagonista Frank Underwood e seus aliados/concorrentes, deixam claro que o que menos interessa no jogo político é o povo. SEMPRE. Eles apenas precisam manipular corretamente todo o entorno pra que consigam ter os votos desse povo e possam ter o poder. Já ouvi alguém dizer que política é a arte de fazer conchavo. E é exatamente isso. Fazer política é fazer contatos, promessas
e acordos. Não precisa fazer o que diz a lei, só se lhe convir. E caso seja necessário, burle a lei. se não der pra burlar (o que no Brasil é quase impossível), mude a lei. Só o que importa mesmo é poder, e quem está no holofote dele no momento tem que saber se manter lá, até a hora de passar o mesmo pra alguém que esteja na sua lista de conchavos, e, assim, manter-se nas sombras do poder.
Não me interprete mal: não sou um anarquista (ou pelo menos não acredito que seja). Talvez um desacreditado, cético, quem sabe. Nem mesmo acho que todos os políticos sejam corruptos. Sequer penso que eles sejam iguais. Por alguma razão que desconheço ou não entendo, ainda acredito nas pessoas. Acredito que existam pessoas que querem o bem das outras e querem fazer do mundo um lugar, no mínimo, ético.
Porém, como eu disse, a política não é assim. E não permite isso. Não importa pra qual lado você penda, por mais extremista que você seja (aliás, quanto mais extremista, pior). Uma vez no poder você TEM que mudar. Tem que ceder. Tem que fazer concessões. E isso pode implicar mudar suas concepções e, eventualmente, ir contra seus princípios. Caso contrário você está fora. Não dá pra governar se não for assim. Nem mesmo numa ditadura. Pois sempre haverão poderosos divergentes, ainda que externos, que podem te tirar de lá, cedo ou tarde, de uma forma ou de outra.
O que meus críticos não entenderam (ou fingiram não entender) no meu outro texto, é que não há exatamente, uma pessoa no controle desse arcade. Talvez um grupo, mas nem sempre é assim. Trata-se de uma máquina. Uma inteligência artificial, por assim dizer. Um sistema que nós criamos, ficou muito forte, e criou vida própria. Vivemos numa Matrix onde achamos que temos uma vida, que somos diferentes e pensamos com nossas cabeças. Na verdade, só vemos o que nos é permitido ver, ou mesmo o que queremos ver. E é com muito pesar que digo: não há um Neo! Sequer acredito que haja um Morfeu que saiba como combater essas máquinas.
Enquanto isso, continuamos a repetir os jingles irritantes dos candidatos às vésperas das eleições. Gente que sequer sabíamos da existência e que depois das eleições passarão a ter o mesmo sentimento por nós. Continuamos a criticar os candidatos que fazem milhões de santinhos e emporcalham as ruas, mas pegamos esses santinhos e jogamos no chão, ou mesmo jogamos pro alto em forma de aviõezinhos . Bem como colocamos adesivos nos carros/motos, placas na casa e banners na foto do perfil da rede social. Depois de um tempo estaremos reclamando de corrupção, de falta disso e aquilo, que político é tudo igual e que 'a culpa não é minha'. Ofendemos mais uns aos outros. Nas eleições seguintes, o ciclo começa de novo.
Sempre que há eleições, em algum veículo da mídia alguém tem a brilhante ideia de publicar a frase cliché que dá título a esse texto: 'Hoje é o grande dia da festa da democracia'. Poucas frases conseguem ser tão irônicas. Afinal, a democracia é uma piada. A gente acha que ela existe, e acredita nela, quase que como uma divindade, baseados apenas na fé, sem muitas provas, no máximo alguns milagres aqui e ali. E a questão da festa... Bem, essa é única coisa real e honesta nessa história toda. Mas sem querer.