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Estudo errado

Hoje enquanto voltava da escola da minha filha depois de buscá-la, estava ouvindo música no carro. Então tocou a canção Estudo Errado do Gabriel, o Pensador. Apesar de ter sido gravada em 1995 a canção é incrivelmente (e tristemente) atual.


Sempre fui fã de Gabriel. Sempre mesmo. Quando tinha cerca de 8 ou 9 anos ouvi pela primeira vez um de seus raps, e, apesar de não ser muito adequado pra minha idade, curti muito. Não me lembro qual delas ouvi primeiro, mas acredito que foi Lôrabúrra. Foi um grande sucesso naquela época, ao lado de Retrato de um palyboy. Eram canções que continham letras muito críticas e por vezes até palavrões, mas o país passava por um momento muito delicado e talvez essa letras tenham funcionado como válvula de escape, grito, catarse pro povo. E por vezes simplesmente funcionavam como entretenimento, que no fim das contas é tudo isso junto. E eu, do alto da minha infância prodígio, achava o máximo. Gostava de assistir noticiário, tentava entender as conversar dos adultos. Quando chegava da escola, corria pra escutar o rádio, que trazia o top 10 (e tentava conseguir gravar as favoritas numa fita k7, sempre, tentando pegar uma versão inteira e sem vinhetas) que entre Jon Secada, Engenheiros do Hawaii, Biquini Cavadão, Guns N' Roses e Nirvana, tocava também Gabriel, o Pensador.



Uma de suas canções mais polêmicas, foi a que o levou ao estrelato: "Tô feliz (Matei o presidente)". Como o título sugere, nessa canção ele assassinava (além de xingar bastante) o atual presidente do Brasil à época, Fernando Collor de Mello. A canção foi censurada dias depois de ter sido lançada e, imediatamente, alcançar o topo das paradas. Desde então, e até hoje, apesar da menor frequência, Gabriel vem sendo uma das vozes mais corajosas e críticas da sociedade e política brasileira.


No meio do caminho, quando eu já tinha cerca de 11 anos, Gabriel lançou uma música que foi extremamente importante na minha vida a partir dali: "Estudo Errado". Além de eu já discernimento pra entender bem a mensagem de suas letras, agora o tema me atingia em cheio. Até então, eu sempre fui o dito 'aluno exemplar'. Sempre tirava as melhores notas da turma, e gostava de ir a escola, fazer as atividades e sentia muito orgulho disso. Tal qual meus pais, que sempre me davam bons presentes, não como muitos que o faziam a cada boa nota, mas sim no fim do ano, como presente de Natal, por ter feito por merecê-los ao longo do ano. Entretanto, talvez por conta da entrada na puberdade, a pré-adolescência e tal, mais ou menos nessa época as coisas começaram a mudar na minha cabeça.


Na canção do Pensador, ele criticava os métodos e diretrizes do ensino no Brasil à época. Num trecho, crianças repetem os seguintes versos: 'Quase tudo que aprendi, amanhã já esqueci. Decorei e copiei, memorizei mas não entendi'. Eu estudava em uma escola bem tradicional. Quase nada era permitido. Mesmo assim, eu tinha ciência que poderia ser bem pior, em diversos aspectos. A escola podia ser católica, por exemplo, e eu poderia ter ainda menos oportunidades de pensar, apesar de ter certeza que teria um aprendizado considerado 'de excelência'. Por outro lado, talvez fosse ainda pior se eu estudasse em uma escola pública. Ali, além de um ensino de pouca qualidade eu enfrentaria instalações precárias, professores desmotivados e muito abandono do governo. Me lembro claramente de que mais ou menos nessa época, meu irmão havia repetido o primeiro ano do ensino médio (então 2º grau) por total desinteresse com os estudos. Ele estudara desde sempre nessa mesma escola que eu frequentava. O castigo dado pelos nossos pais foi colocá-lo na escola estadual do nosso bairro, pra que ele não só passasse vergonha, como também valorizasse o que havia tido, especialmente pela escola ser bem cara.


Aqueles versos do Pensador me fizeram questionar não só a minha vida enquanto estudante, mas também a educação como um todo, e tudo isso representava pro país e pro mundo. Uma conclusão até fácil de se chegar, era que estávamos no caminho errado. A escola não fazia dos alunos seres pensantes, questionadores e que deviam buscar seus sonhos. Ela criava seres que aceitavam os conteúdos (quase sempre os memorizando) e sabendo muito pouco a respeito de como esses conteúdos os seriam úteis na vida real (por vezes nem o eram). Além disso, éramos incentivados a competir, disputar com os amigos. Éramos frios, robôs. Sem cérebro ou coração, apenas memória.


Certamente esse questionamento para o qual comecei a despertar influenciou muito das minhas atitudes dali por diante. Isso e um pouco de rebeldia juvenil (talvez) sem causa. Logo comecei a gostar cada vez menos das aulas, deixar de fazer as tarefas de casa e, veja só, matar aula. Ia para casa de amigos e para fliperamas e vídeo locadoras para jogar vídeo game. Se você, jovem padawan, não faz ideia do que eu estou falando, dê um google e descubra esse incrível mundo de magia juvenil que existiu nos anos 90.



É claro que no fim das contas tudo foi descoberto, eu levei um tremendo sermão e sofri algumas sanções. Mas o 'estrago' já estava feito na minha cabeça. Eu já havia me tornado um 'questionador rebelde' sofrendo, aprisionado naquele mundo tradicional e careta. Além disso, com o final dos anos 90 se aproximando, o mundo também passava por transformações. E questionadores já não eram mais tão poucos, tanto, que o próprio sistema de ensino começa a se transformar. Na verdade isso foi uma crescente desde os tempos das 'Diretas já', que ganhou muita força com os 'Caras pintadas'. O Brasil parecia estar mudando seu status de 'Deitado eternamente em berço esplêndido', e eu, muito por contando de um rapper que desafiava o status quo, estava muito próximo de fazer parte dessa revolução.


Infelizmente (pro mundo e pra mim) eu acabei não me tornando um atuante de fato. Acabei caindo numa mistura de rendição ao sistema com preguiça e um pouco mais a frente, até mesmo minha personalidade depressiva. No entanto, sempre me mantive atento e continuei com um espírito inconformista e 'meio revolucionário'.


Um dia resolvi que seria professor. A principal razão pra isso, surgiu dos professores que tive ao longo da vida. Especialmente aqueles com quem estudei nessa fase mais rebelde. Queria ser como eles. Incentivar o questionamento, fazendo os alunos quererem aprender, se divertir o fazendo. Acredito que tenho feito um trabalho bem interessante nesse aspecto, visto que a maioria dos meus alunos diz se divertir bastante em aula e alguns deles são meus amigos pessoais mesmo depois de anos. E mais do que isso: a maioria deles é desses que gostam de questionar e tem muita opinião. Alguns, os melhores, até escrevem comigo =)


Entretanto, havia muito a ser feito. Foram séculos de repressão e de um ensino os ensinando a serem robôs. Havia muitos desses robôs por aí. Séculos que não seriam consertados em uma década. A maioria dos alunos dessa geração ainda era formada pelos robôs. Apenas a próxima poderia mostrar se a revolução continuaria com força.


Isso nos trás aos dias de hoje. Quando vejo jovens alunos ocupam escolas lutando por aquilo que acreditam, vejo que ainda estamos nesse processo. Antes, eram os mais velhos que o faziam, os estudantes universitários. Hoje, alunos de Ensino Fundamental e Médio. A criação de seres pensantes ainda está aí.


Talvez você seja dessa turma que diz que esses alunos não fazem ideia do que estão fazendo, que não sabem pelo que lutam ou que simplesmente sejam manipulados. Até acredito que isso tudo possa ser verdade. E mesmo que seja, ainda acho válido. Acho mais válido alunos que estejam lutando por uma causa equivocada, do que alunos que não lutam por causa nenhuma, ou que sequer se interessem por alguma causa. Além do mais, será mesmo que não vale a pena se revoltar com séculos de precariedade na educação, mesmo que seus meios não sejam os melhores? Só o fato de eles chamarem a atenção da sociedade pra esses problemas já é admirável. Se você está no fundo do poço, você precisa fazer muito barulho pra que sua voz seja ouvida. A bagunça que eles estão fazendo, é no mínimo proporcional à bagunça que eles vêm enfrentando na sociedade.


Não sei se você que leu até conseguiu acompanhar, ou talvez a culpa seja minha por não tornar isso tão claro. Mas há uma relação entre o início do texto, o meio e esse fim: a educação que eu e minha geração tivemos nos anos 90, um período de transformações políticas e sociais, vem dando resultado, e as gerações atuais, educadas por quem estudou na minha geração, é a responsável pelas mudanças que certamente serão bem mais visíveis na geração da minha filha (que já recebe uma educação de bem maior qualidade, mesmo que ainda existam tantos que insistam em manter a mesma fórmula que meu irmão costumava ter nos anos 80 [e veja só, hoje, até ele que já está nos seus 40 e poucos, tomou gosto pelos estudos e está cursando História]). E isso passa pela música do Gabriel, o Pensador, que me ajudou a abrir os olhos e me olhar no espelho.


Torço pra que esse ciclo não se feche tão cedo, e pra que as ocupações deem o resultado esperado, ou pelo menos que os alunos aceitem acordos (desde que sejam bons) e não apenas as aulas voltem mas também que sua vozes sejam sentidas e tragam resultados. E mais do que isso: que sua luta seja exemplo para gerações futuras, e que estas continuem lutando por aquilo que acreditam, seja certo ou errado. O importante é ter causas, acreditar nelas. Espero que hajam mais Gabrieis e que estes instiguem jovens a pensar e abrirem os olhos diante do que acontece na sociedade e com eles mesmos. E por fim, que minha filha um dia possa estudar a respeito dessa fase que atravessamos e possa se orgulhar de viver em uma sociedade mais justa e com jovens mais bem instruídos e que saibam pensar. E que se ela não for uma dessas ativistas e que buscam aquilo que acreditam, que possa assim como os pais, no mínimo contribuir para isso nos bastidores e inspirar outros que o façam.




Ah, e se você não conhece a Estudo Errado, aqui vai o clipe. Infelizmente a qualidade é ruim, pois não existe um vídeo oficial. Mas dá pra ter uma ideia. Além disso, vou deixar também um link pra nada menos que um artigo científico fazendo uma análise da letra e fazendo uma crítica ao sistema de ensino do país.



E o vídeo da música:

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