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A tragédia da Chapecoense e algumas reflexões a respeito

Nessa manhã de 29/11/2016 eu estava seguindo minha rotina matinal: levar minha filha na escola, e na volta, tomar café da manhã assistindo programas esportivos. Ressalto que até pouco tempo assistia jornalísticos matinais, como o Bom Dia Brasil, mas abandonei pois não assisto mais nenhum, procurando me manter o mais distante possível das tragédias e notícias ruins que dominam esses programas, e assistir isso pela manhã, definitivamente não é algo agradável. Assim, prefiro assistir a uma reprise de um jogo da série B italiana a um jornalístico comum. Entretanto, nessa específica manhã, enquanto esquentava um pão dormido e fritava uma mortadela, a programação foi interrompida pra anunciar que o avião da Chapecoense havia caído e de 81 passageiros a bordo, 76 (até então) haviam morrido.




Imediatamente um arrepio me subiu pela espinha e fiquei chocado. Qualquer acidente dessa grandeza certamente me causaria reação parecida, mas por algumas razões, acredito que essa me tocou em especial. E é a partir daí, que quero transcorrer esse texto, sem saber onde quero chegar, apenas refletir enquanto me expresso.


A minha primeira reação, foi pegar o celular que estava carregando e começar a repercutir nos grupos de whatsapp. A maioria dos amigos já estava sabendo. A princípio, a conversa foi a respeito da tragédia em si, as razões pra ela ter acontecido, o número de mortos e, especialmente, sobre a Chape, uma equipe simpática e que estava indo pra sua primeira final internacional, fazendo, assim, história.


Mas logo o tom foi mudando e uma série de questionamentos morais começou a pipocar. O primeiro foi a respeito de se fazer ou não piada. Soa absurdo pra maioria da pessoas o simples fato de isso ser sequer considerado. Mas não pra mim e pro meu círculo de amigos. Quem me conhece sabe que sou um grande piadista. O termo 'grande' aqui se aplica em diversos aspectos, e até mesmo pela qualidade das piadas de vez em quando. O fato é que sempre havia uma piada sobre qualquer coisa, qualquer uma mesmo. Inclua-se aí o humor negro. Muitos dos meus amigos e especialmente minha esposa repreendem esse traço meu. Eu, sinceramente, não vejo como uma falha de caráter. Acredito, até, ser uma característica positiva. O fato de você conseguir rir de momentos tristes, e por vezes trágico, na minha concepção é uma coisa boa. Chega a ser filosófico: pra que se contentar em chorar as tragédias da vida se podemos, também, rir delas? Tudo é efêmero mesmo. As tragédias continuarão existindo chore ou ria. Então que choremos e riamos.


Dessa forma, eu mesmo me surpreendi com o fato de eu estar tão chocado que nem conseguia fazer piadas (não digo que nada passou pela minha cabeça, mas não pus pra fora, nem sei a razão, não sei dizer se a palavra certa é coragem). E dois de meus amigos que mais são piadistas, um deles grande fã e defensor do humor negro, e amantes de futebol como eu, também se mostraram na mesma situação, incapazes de rir disso, pelo menos de imediato.


Conste aqui que essa discussão em torno do humor negro rendeu bastante nas horas que se seguiram, e que eu poderia escrever um texto apenas sobre tal por aqui. Mas há muito que se refletir, portanto, seguirei.


O item seguinte em que quero focar, é na segunda discussão que se seguiu em torno desse assunto em um dos grupos: a CBF anunciou que adiaria a final da Copa do Brasil que aconteceria no dia seguinte, 22/11, alegando que não haveria clima pra tal. Imagine, uma final de campeonato, há alguns quilômetros de distância da cidade originária da equipe que acabara de sofre um acidente terrível e que vitimou praticamente toda equipe e comissão. Agora imagine que alguém sairá campeão e ficará extremamente feliz com isso, e comemorará, fará festa e tudo mais que uma equipe campeã faz. Isso tudo apenas um dia depois de uma tragédia gigante. Acrescente a isso o fato de que, certamente, muitos desses jogadores envolvidos na decisão jogaram com e até podem ser amigos pessoais de muitos que morreram na tragédia. Não há condições de se ter o jogo. Não no dia seguinte. Talvez uma semana depois.


Porém, como bem observaram outros amigos, a vida continua. As equipes envolvidas na final, não podem parar suas programações por conta de uma coisa que não os afeta diretamente (em teoria). Além do mais, há muito envolvido. Logística, programação de tv, patrocinadores, equipes de segurança... Eu entendo esse ponto. Mas sou acima de qualquer coisa, um ser humano. E sou humanista. Acredito que deve haver bom senso, sempre. E o bom senso diria que essa partida deve, sim, ser adiada. O fato é que na última rodada do Campeonato Brasileiro, a Chape jogaria contra o Atlético Mineiro. E esse jogo em especial, não tem a menor condição de acontecer. Nem mesmo há jogadores da equipe de Santa Catarina de realizar a partida.


Um dos argumentos utilizados por meus amigos pra ratificar o fato de que a vida continua, foi mais um momento que me levou a outro questionamento moral: há menos de uma semana o filho de 7 anos de uma amiga nossa de trabalho perdeu a vida. Uma criança. Filho de uma pessoa do nosso convívio. Criança que conhecemos. A morte de uma criança, qualquer uma, é imensamente triste. A morte de um familiar de um amigo nosso, é extremamente triste também. Quando ambos se juntam, não há palavras pra descrever. No entanto, o dia seguiu normal, na medida do possível, naquele dia (sexta-feira, dia 18/11).


Me lembro de chegar as 7 da manhã no trabalho naquele dia e ser recebido com a seguinte frase: 'Já soube do que houve? O filho da *Fulana* faleceu...'. Cara... escutar essa frase as 7 da manhã de um dia de trabalho que durará pelo menos até 9 e meia da noite... Não tem como ter um bom dia. Por volta de meio dia, boa parte dos meus colegas de trabalho foram ao enterro da criança. Eu não fui, pois além de evitar ao máximo ir a cemitérios ou qualquer coisa do tipo, estava todo atolado com atividades no trabalho. Se adiasse ficaria complicado por N razões. Ou seja: a vida seguiu, não apenas pra mim, mas pra todos amigos que foram até lá e voltaram pra continuar suas obrigações naquele dia.


Mas mesmo sendo tocado profundamente, pois além dos fatos já citados, eu tenho uma filha de 4 anos e não consigo (nem quero) me imaginar passando pela mesma situação que essa amiga de trabalho, por alguma razão me senti mais aterrorizado no instante em que digeri a informação da tragédia de avião do que do óbito da criança. E quando eu percebi isso, comecei a me questionar de forma que dá pra dizer que, até este momento em que escrevo, ainda estou em crise existencial.


Por quê?! Por que doeu mais um acidente em que os envolvidos são todas pessoas que não conheci pessoalmente e que eram todos adultos, viajados, com boa situação financeira e tantos outros fatores que poderiam me distanciar deles, enfim, por que isso me tocou mais profundamente do que a morte de uma criança que eu conhecia, pouco mais velha que minha filha?


De verdade, a sensação ruim se potencializou com a tragédia somada à dor seletiva e aparentemente inexplicável começou a me consumir e até agora me atormenta. Num outro grupo, um amigo também se posicionou a respeito dessa coisa de comoção quando alguém famoso morre, enquanto todos os dias milhares de 'pessoas comuns' passam por situações extremas, morrem e suas famílias sofrem ainda mais do que esses que tem diversas formas de superar a perda e encarar a dor mais bem apoiados do que, por muitas vezes, pessoas ao nosso lado.


Fico aqui tentando encontrar explicações pra isso. Me lembro de aos dez anos ter chorado muito com a morte do Senna e no ano seguinte dos Mamonas. Ok, eu ainda era uma criança, não tinha noção de muita coisa. Vivi muita coisa entre essas perdas de famosos que eu admirava muito. Inclusive a perda do meu próprio pai quando eu tinha 27 anos. Ainda assim, a dor que senti com a morte daquelas pessoas famosas me doeu de forma muita intensa, tal qual fossem meus familiares. Por quê?


Seria pelo fato de onde quer que olhemos haverá alguém falando a respeito? E dessa forma termos a sensação de que foram perdas mais significativas que as nossas pessoais? Talvez pelo fato de serem mortes trágicas...


As mortes do meu pai e da criança, no meu caso, também foram, de certa forma, anunciadas. Meu pai estava com câncer, fraco. Além disso eu precisei me manter forte, especialmente pela minha mãe, que teve o companheiro de uma vida perdido. Ela precisava de um porto seguro. Então eu tive um certo tempo pra me preparar pra aquele dia, mesmo que não quisesse que ele chegasse. Já no caso da criança, ela já havia nascido com uma condição cardíaca e passado por um processo cirúrgico, conviveu com isso. A mãe e todos ao redor, sabiam que haveria essa possibilidade, por mais que fosse remota e que ninguém quisesse. Além disso, dias antes do óbito, havia contraído meningite e estava com um problema no cérebro e passara por um novo procedimento cirúrgico complicado. Ou seja, ainda que ninguém pensasse nisso, havia uma possibilidade do pior. E assim, houve tempo pra se preparar. Já com os famosos citados, foi de uma hora pra outra. E trágico. Chocante. Mas... toda morte não é? Ou deveria ser?


Não consigo chegar a uma resposta que me conforte, ou que pelo menos não me faça me sentir uma pessoa horrível. Pensei em todas as razões possíveis para estar triste com a tragédia da Chapecoense: a dor da perda das dezenas de famílias e amigos que perderam alguém que amavam; o fato da equipe da Chapecoense estar vivendo o melhor momento de sua história e, muito por conta disso, ser a nova queridinha do Brasil; o fato de eu ser um amante do futebol e recentemente vinha acompanhando a trajetória da equipe, e estava torcendo muito por eles; pelo fato de haverem vários jornalistas a bordo e essa ser uma profissão que ainda pretende exercer, especificamente na área esportiva, me colocando assim, na posição de quem estava naquele voo pensando que poderia ser eu.


Eu ainda poderia citar muitos outros. E ainda assim, nada me explicaria de fato.

Da mesma forma, eu poderia ainda escrever outros inúmeros parágrafos a respeito desse assunto. Desde que comecei a escrever, há umas 5 horas atrás, tenho acompanhado diversos programas esportivos enquanto vou continuando a vida, cuidando da minha filha que está sozinha comigo hoje. De forma que fica difícil manter uma linha de raciocínio.


Só queria terminar tentando explicar onde pretendia chegar: um acidente trágico, mesmo não envolvendo alguém que seja do nosso convívio, pode nos tocar de diversas formas e em níveis diferentes. A mim, tocou tão profundo que me fez questionar toda minha vida e forma como tenho a encarado. Não cabe a mim, nem a ninguém, questionar e/ou julgar essas formas e níveis em que somos atingidos. O importante é tentarmos tirar lições. Ainda é cedo, pra mim pelo menos, pra entender essas lições. Mas já estou as vivendo.

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