O caso Rodrigo Caio e o absurdo de se fazer o certo
Recentemente um caso absurdo chocou a sociedade brasileira: uma pessoa fez a coisa certa! E não foi qualquer pessoa, dessas que não fazem diferença no mundo. Foi um jogador de futebol! Olha só, que absurdo!
Se você não anda mais acompanhando esse tipo de notícia até mesmo pra evitar um desgosto maior com a humanidade, eu explico pra você. Rodrigo Caio é um jogador de futebol que atua na defesa do maior time de futebol do Brasil (sim, o São Paulo é a principal equipe do país, somando-se títulos, frequência em decisões, vice campeonatos, número de torcedores e reconhecimento internacional, entre outros). Há alguns dias, sua equipe disputou um jogo decisivo contra um dos seus maiores rivais, que também está no grupo de maiores equipes do país, o Corinthians. No tal jogo, houve um lance curioso: em uma disputa de bola onde o goleiro de seu time saiu em busca da bola aos pés dos jogadores, ele (Rodrigo) e um atacante adversário (Jô) estavam no lance. O goleiro, então, é atingido. Pelo ângulo em que o árbitro se encontrava, bem como pela lógica em lances desse tipo, o atacante do Corinthians acabou levando a culpa. A falta foi marcada e Jô tomou cartão amarelo.
A reclamação, óbvia e inflamada como sempre é, por parte do atacante veio. Tal cartão, afinal, deixaria o atacante fora do próximo jogo (também decisivo). O que não era óbvio é o que veio a seguir: Rodrigo Caio disse ao árbitro que ele, Rodrigo, havia atingido o goleiro sem querer, eliminando, assim, a falta do adversário e, por consequência, seu cartão amarelo.
Nobre a atitude, não? Louvável. Admirável... será? Admirável? Mas... não é simplesmente a coisa certa? Admitir um erro, ou se posicionar diante de uma injustiça, não culpar alguém inocente é algo realmente que mereça aplauso?
Ok, vá lá. Há tanta coisa errada rolando por aí, e que queiramos ou não, estarão nos noticiários e podem não apenas trazer mais desesperança na humanidade como também influenciar negativamente, especialmente àqueles que se espelham nesse mundo errado. Mas veja, da mesma forma, uma atitude bonita em meio a toda essa bagunça, faz, sim, brotar a esperança na humanidade. Vendo por esse prisma, a atitude merece os holofotes.
A questão, é que essa discussão que fiz acima acabou ficando de lado. No dia seguinte ao jogo, todos programas esportivos repercutira a atitude. Em sua maioria, elogiavam-na. A coisa estava muito legal. Muito saudável e produtiva.
Aí veio a entrevista do colega de equipe e parceiro de zaga do Rodrigo Caio, o Maicon:
Antes de qualquer coisa, preste atenção na amplitude da pergunta do jornalista e no nível da resposta do jogador. Tudo bem, essa foi no final da coletiva, o assunto talvez já estivesse sendo repetitivo demais e o jogador poderia estar irritado. Não justifica. A agressividade da resposta está totalmente desproporcional à ideia da pergunta.
Voltando ao contexto, essa resposta abriu as portas pra uma repercussão totalmente desnecessária. A questão não é mais se a atitude merece aplauso ou não. Agora trata-se de: ele estava errado ou certo. COMO ASSIM?!?! Mas não é absolutamente óbvio que ele estava certo?
Os argumentos mais doentios vieram ao debate. "Isso é um jogo, não é a vida! Até num jogo de cartas os jogadores blefam". A própria frase do Maicon, que eu confesso, precisei ver mais de uma vez pra tentar entender o que ele quis dizer, não só por não responder o que foi perguntado (até aí, normal no meio futebolístico), mas também por não fazer o menor sentido.
"Eu prefiro a mãe do adversário chorando do que a minha". Sério! Que merda é essa?! Primeiramente, eu prefiro mãe nenhuma chorando. Além de ser esporte, e no esporte alguém fatalmente perderá e isso é parte do espetáculo e não deve ser motivo pra fazer a mãe de alguém chorar. Além do que, é sempre inadequado o simples fato de colocar a mãe no meio, como se diz. Agora, eu tenho certeza que a mãe do Rodrigo Caio está muito feliz, e não chorando. Está feliz porque criou um filho educado, com valores. Que faz o certo, mesmo que isso não lhe beneficie. Toda mãe prefere um filho correto a um filho que busque benefício próprio a qualquer custo.
Se pra você o futebol é um mundo à parte, onde as regras do 'mundo real' não se aplicam totalmente, eu tenho duas coisas pra dizer a respeito: Primeiro que há muita gente, muita mesmo, que assiste somente (e tão somente) futebol. Não sabe de mais nada a respeito do mundo. A essas pessoas, uma atitude como a do Rodrigo Caio pode ser a única chance de se ver um gesto de pura honestidade em um contexto tradicionalmente corrupto. E segundo, não existe isso de mundo à parte. Não há lugar certo ou errado para ser honesto. Não existe essa coisa de ser uma pessoa correta no trânsito, no trabalho, em casa, mas no futebol ser desonesto vale. Os bons exemplos podem (e devem) vir de todos os lugares, especialmente de onde menos se espera.
É, pra mim, inadmissível que o Rodrigo esteja sofrendo qualquer tipo de represália da torcida. A única explicação que eu encontro (ainda que discorde) é o fanatismo, pois este é, SEMPRE, burro e cego. O cara prefere ganhar roubado, ver uma injustiça, algo desonesto, desde que isso beneficie aquilo ou aquele de quem ele é fã, do que ver o certo ser feito. Especialmente num momento em que vemos desonestidade e corrupção pra todo lado.
Pior do que a torcida se manifestar contrária a essa atitude, é quando essa contrariedade vem dos próprios companheiros de equipe e do treinador que não apenas não demonstrou apoio, mas até soou contrário ao jogador. Atitude negativa essa de todos os lados, que pode acabar causando uma cisão no grupo e desestabilizando o ambiente no clube. Tudo isso porque alguém fez algo que deveria ser o comum, o certo.
Quero encerrar citando algo que foi dito no Bate-Bola Debate (ESPN Brasil) desta tarde de terça-feira 18/04. Alê Oliveira (O Mito/Monstro) disse a seguinte frase: "Quero mais Rodrigos Caios no futebol, no mundo. Quero jogar ao lado dele na pelada. Quero ele como amigo. Quero que ele me engravide de gêmeos e me chicoteie". Endosso. Que hajam mais homens, mais seres humanos como este e que eles povoem o mundo.
(Aliás, assim que vídeos desse programa forem liberados na internet vou os linkando aqui e atualizando o texto)