Recomendação - Jogos do Poder
Mais uma noite de Sábado em que procuramos um 'filme diferente' pra assistir na Netflix. Aquela história de ficar passeando pelo catálogo por vários minutos. Mas dessa vez não foi preciso ir muito longe. Depois de poucos minutos e um pouco de atenção às recomendações e títulos relacionados, chegamos a um título de 2007 que nunca tínhamos ouvido falar: Jogos do Poder.
Continuaria desconhecido não fosse prestarmos atenção nos atores principais do longa: Tom Hanks, Philip Seymour Hoffman e Julia Roberts. A reação à sinopse foi tipo 'ok, vamos dar uma chance', mas aos atores foi 'não tem como ser ruim!'. E com poucos minutos de filme, ainda apareceu Amy Adams. Ou seja, dos 4 atores principais, todos já venceram ou Oscar ou Globo de Ouro ou ambos (e as vezes mais de uma vez). Há ainda (e isso eu só descobri depois, ao escrever esse texto), uma pequena participação, quase um cameo, de Emily Blunt.
O pôster do filme, e as contra-partes reais de Tom & Julia (Charlie & Joanne)
Quando o filme começa, somos avisados que a história contada é baseada em uma real. Aí sim, tivemos certeza: não tinha como ser ruim! O nome original do filme é Charlie Wilson's War, uma referência ao personagem principal, o de Tom Hanks, Charlie Wilson. Ele é um congressista mulherengo e que não liga muito pra sua reputação. Logo de cara e pela descrição, dá pra associar com Frank Underwood de House of Cards. E de fato, o lembra em muitos aspectos. Logo nas primeiras sequências do filme, ele está em uma jacuzzi com um figurão de Hollywood em busca de investimento para um filme que está produzindo e pretende colocar na produção uma coelhinha da Playboy. É claro que a tal coelhinha está na mesma jacuzzi, além de outras mulheres nuas. Há, também, bastante cocaína envolvida.
Acontece que Charlie não está interessado naquelas coisas (talvez nas mulheres, no máximo). Enquanto o figurão fala sobre seus planos, ele está prestando atenção na tv que fala sobre o armamento dos afegãos no conflito que estes enfrentam contra os russos, ignorando completamente todo o entorno. É aí que o filme fica interessante.
A história se passa nos anos 80, começando lá no início da década. O contexto histórico é muito interessante e não tão explorado pelo cinema, ou pelo menos pelos grandes blockbusters. A Guerra Fria estava no seu auge. E história contada pelo filme, em específico, eu mesmo só havia ouvido falar e nunca soube de fato o porquê de ter acontecido ou como aconteceu. A história em questão é sobre a guerra entre Afeganistão e União Soviética. A guerra só explode mesmo quando os EUA entra na história. Acontece que isso nunca aconteceu oficialmente. Nos bastidores, sempre se soube que quem armou e treinou os afegãos foram os americanos, porém, isso nunca foi confirmado, nunca foi oficial.
Não vou revelar muito sobre a história, afinal, esse texto é recomendação, não um crítica ou resenha com spoilers. Quero que vocês assistam e tenham a experiência. Mas é muito interessante ver como essa história se desenrola e como Charlie tem participação fundamental mesmo sem desejar isso a princípio. O envolvimento dele é fundamental, por isso o título do filme em inglês. Entretanto, ele nunca foi creditado oficialmente também, por mais que tenha sido condecorado. Ele foi o responsável oculto sobre uma guerra secreta. Uma espécie de Nick Fury pra quem conhece o personagem. E a atuação de Tom Hanks, como sempre, passa o tom exato que o personagem exige.
Além de ser uma história muito interessante, daquelas que fazem a gente estudar de história de um jeito mais divertido, o o roteiro é muito divertido. A participação de Philip Seymour Hoffman é impagável (tanto que sua atuação lhe rendeu 'apenas' as indicações ao BAFTA, Globo de Ouro e Oscar como ator coadjuvante daquele ano). Há um diálogo entre ele e Julia Roberts, daqueles ping pongs característicos do cinema, hilário. E esse clima de ironia e até um certo humor negro (é um filme sobre guerra e política, afinal) permeia todo o longa. Outra razão que faz o espectador lembrar de House of Cards, que em tantos momentos faz uso disso. Frank também deve ter se espelhado em Charlie no quesito saber fazer conexões. O cara tem péssima reputação, como ele mesmo admite, mas sabe fazer política, sabe com quem fazer amizade e dever e ter favores a cobrar. A grande diferença, é que Charlie era um patriota. E viu de perto, ainda que tenha sido à força num primeiro momento, os horrores da guerra. E aquilo lhe afetou e impulsionou a fazer a 'coisa certa'.
Uma pequena observação, que eu não poderia deixar passar, é que, assim como House of Cards nos faz pensar a respeito de tal coisa em diversos momentos, o filme tem algumas questões que lembram situações parecidas com as quais vivemos no Brasil, com as devidas diferenças culturais. A personagem de Julia Roberts, por exemplo, é uma cristã rica com muita influência social e política. Ela é uma das arquitetas da participação dos EUA na guerra, ainda que não tenha nenhum cargo político. E assim como no Brasil há a bancada evangélica agindo não apenas nos bastidores e moldando a sociedade de acordo com suas crenças (por vezes distorcida por fanatismo), uma espécie de sociedade secreta religiosa age nas sombras da política e conduz, nesse caso, não apenas o país, mas o mundo, atendendo seus interesses e crenças. É inevitável fazer o paralelo e a reflexão.
No fim das contas, mais uma vez descobri um filme muito bom e surpreendente, e nesse caso, não tão novo e impressionantemente meio ignorado por aqui apesar de seu grande elenco. Estou até começando a gostar dessa coisa de não ter dinheiro pra sair e passar noites de Sábado em casa peneirando coisas na Netflix. Faça mais isso você também: ao invés de lamentar a aparente falta de opções, aproveite para tentar descobrir algo interessante e quem sabe se divertir muito. Por enquanto, aproveite essa ótima recomendação.