Greice na Cidade das Maravilhas - Parte 1
Foi batizada Gleycy Kelly, pois segundo a mãe, esta seria uma princesa e deveria ter o nome de uma. Porém a mesma mãe, não teve muitas oportunidades na vida, e por conta disso, não estudou e não conseguia escrever e nem mesmo pronunciar corretamente o nome da menina. Dessa forma, todos a conheciam por Greice. (Mal sabia a mãe que essa forma do nome se aproximava mais da original...)
Fato era que a menina realmente poderia ser considerada uma princesa. De beleza rara em seu círculo social. Afinal, era uma rara loirinha de olhos azuis em sua vizinhança. Na escola também. Ela mesma não tinha nenhuma amiga que tivesse cabelo do mesmo tom que o seu (naturalmente, claro, já que algumas descoloriam com água oxigenada 40 volumes enquanto tomavam banho de sol na laje).
Sua beleza natural e exótica, se dava ao fato de ser a única de suas 3 irmãs (e 3 irmãos) a ter sido fruto de uma louca noite de sexo selvagem e sem segurança entre sua mãe e um grupo de gringos num carnaval. Sua mãe conta que não sabe exatamente de que país os tais gringos eram, e que possivelmente eram de mais de um país. Ela também não sabe precisar de qual dos diversos homens envolvidos na orgia ela era filha, e que ela poderia ser de qualquer um, já que eram todos loiros de pela rosada e olhos claros. A única certeza é que não era filha de nenhuma das outras duas mulheres que ali estiveram (por motivos óbvios!) nem do travesti, que foi o único a não enfiar nada nela. Ao menos nada que pudesse fazer um filho.
Greice nasceu e foi criada numa favela na zona sul do rio. Área nobre, onde a miscigenação cultural, social e étnica era tão grande que ela quase não se sentia um E.T. Aos 13 anos, porém, sua família fugiu da ‘comunidade’ (como costumavam tratar a vizinhança) pois o ‘companheiro’ de sua mãe juntamente com seu irmão mais velho desobedeceram ordens diretas do dono da comunidade, conhecido por todos como Bebê. Desnecessário dizer que seu irmão e seu padrasto foram executados no microondas da comunidade. Pra evitar sorte parecida pro que sobrara daquilo que ela chamava de família, a mãe de Greice decide deixar o local e procurar abrigo na casa de sua comadre Valéria, que morava na Baixada Fluminense. Valéria era madrinha de Greice. Ou padrinha, como ela mesma costumava dizer. Já que Valéria nascera Valdemar, e mudara de identidade há alguns anos na Tailândia, graças ao financiamento de uma operação de troca de sexo bancada por um antigo affair, um italiano mafioso que vez ou outra fazia turismo sexual no Brasil e se apaixonara pelo, então, travesti. Travesti esse que já fora citado anteriormente, e desde tal ocasião se tornara melhor amigo (a) da mãe de Greice.
Como Valéria tinha uma situação financeira razoável devido às pomposas gorjetas que recebia de seu amante italiano, procurava sempre ajudar sua afilhada de alguma forma. Por isso a comadre não hesitou em receber a família amiga em sua casa em Nova Iguaçu, local segundo ela, ainda livre do domínio dos traficantes que acontecia nas zonas norte e sul da capital do estado. Livre até então, já que assim como a família de Greice, muitos desses traficantes estavam se mudando para lá a fim de fugir da ocupação de seus territórios pela polícia. Mas isso é outra história...
Acontece que a menina não queria sair de sua casa, nem ficar longe de seus amigos. Muito menos ir para uma cidade sem o glamour que ela estava acostumada a ver todos os dias.
A pequena Greice era uma menina pobre sim, e recebera uma educação humilde. Mas mesmo sabendo qual era seu lugar – coisa que aprendeu desde cedo através das patricinhas da zona sul com quem vira e mexe dividia espaço na praia – ela sonhava em um dia poder ter as roupas que as meninas riquinhas tinham, sonhava com todo o luxo que as namoradas de Bebê exibiam pra cima e pra baixo no morro. Todo aquele ouro pendurado, roupas bonitas e caras, celulares de última geração... O sonho dela era ser como uma dessas que abandonavam o asfalto pra viver um caso de amor com o dono do morro. Era uma ingênua. E incrivelmente pura, apesar de toda corrupção mundana que acontecia ao se redor, bem pertinho. A maioria de suas amiguinhas de escola, da mesma idade ou mais novas até, já não era mais virgens. Muitas não eram virgem de nada. Houve até umas duas ou três que engravidaram, sem sequer terem ‘virado mocinhas’, como sua padrinha lhe ensinara. Greice sabia de tudo que acontecia com essas meninas. Era pura, mas não desinformada. Não saberia dizer se era muito mais inteligente que as meninas da sua idade que conhecia, ou muito mais bobinha. Afinal, oportunidades não lhe faltaram de se tornar ‘mulher’. Meninos da escola, rapazes do morro, alguns membros do ‘movimento’ da comunidade, algumas meninas (que pra ela não se pareciam tanto com meninas)... Muitos já haviam tentado ‘avançar o sinal’ com ela. Ela não sabe, mas até mesmo seu padrasto e irmão mais velho que morreram nas garras de Bebê. Coisa que sua padrinha fizera questão de resolver com suas próprias mãos (e navalha) ao saber do ocorrido. Nada que uma boa e velha ameaça de corte das partes íntimas não tenha resolvido. A menina tinha apenas 13 anos, mas quem não a conhecesse não daria menos de 17. Já era uma moça formada, com tudo no lugar. Talvez fruto da mistura entre sua mãe, que antes dos filhos fora uma belíssima mulata, dessas passistas de escola de samba, e os tais gringos supostos pais. Toda essa beleza, e pureza, faziam-na se sentir cada vez mais uma ET no meio de tudo que a cercava.
Mesmo assim gostava de onde vivia, das meninas com quem ela cresceu, da escola onde estudava e da praia que era linda e ficava há alguns minutos descendo o morro. Não queria deixar tudo isso pra trás e ir pra uma cidade onde até vulcão tinha, conforme ficou sabendo, mas ficava a horas da praia.
Por isso quando viu a mãe arrumando as malas, desesperadamente para abandonar o morro, e mandando suas irmãs fazerem o mesmo, não pensou duas vezes em sacar seu MP15 e ligar para seu vizinho e amigo de infância Coelho, pedindo ajuda pra fugir.