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Greice na Cidade das Maravilhas - Parte 2

Coelho era um pouco mais velho que Greice, tinha 16 anos e trabalhava como piloto de moto taxi na comunidade. Claro que era tudo de forma ilegal, a começar pela idade do rapaz. Tinha esse apelido por ser albino, e ter os dentes da frente avantajados, como os do animal. Coelho e Greice sempre foram amigos, apesar da diferença de idade, que nessa fase da vida faz diferença. Tal amizade talvez se deva pelo fato do rapaz, assim como a menina, se sentir um total excluído da sociedade por causa de seu problema. Coelho sempre sofreu com os apelidos e brincadeiras de mau gosto. Sorte do rapaz ter nascido pobre, senão, passaria a infância frequentando psicólogos pra tratar seu trauma de ser vítima de bullying.


Ao receber a ligação de sua amiga, Coelho apressa-se em chegar até a casa da menina. Aliás, a pressa habitual do rapaz era outro motivo pelo qual se justificava seu apelido. Essa pressa era quase um dom do rapaz, e isso o ajudava muito em seu trabalho, já que além dos clientes apressados aos quais ele transportava enquanto moto taxista, ele também fazia bicos como motoboy. E nesses casos, os clientes sempre queriam suas entregas pra ontem. Por isso, sua pressa vinha muito a calhar.


Enquanto sua mãe berrava desconsolada por conta das perdas recentes, e arrumava as malas em ritmo frenético junto de seus irmãos, Greice já havia arrumado suas poucas coisas numa mochila, fingindo que o fazia pra fugir com eles. Em poucos minutos, Coelho mandava um zap avisando-a que aguardava no local combinado. Greice então fugia sorrateiramente pela minúscula janela do banheiro. Havia deixado apenas uma folha de caderno com as seguintes palavras pra mãe: “Amo vc e minha tia Valéria, mas naum quero mora naquele fim de mundo. Naum si preocupi com migo. Vo sempre dá um geito de fala com vçs. Bjks, Gleycy


E assim ela foi, seguindo o branco Coelho em sua garupa. Ainda não sabia pra onde. Apenas havia pedido ao amigo que a tirasse dali com toda sua pressa costumeira. Aliás, taí uma coisa que ela nunca havia entendido: por que raios o Coelho estava sempre tão apressado? Tinha percebido que o rapaz havia conferido as horas várias nos poucos minutos em que estava com ele. Mas ainda seguraria sua curiosidade, afinal como estavam no trânsito, teria que ficar falando alto, e não estava com esse humor.


Mas Greice sempre foi uma menina muito curiosa. Quando percebeu que Coelho tinha algumas entregas a fazer armazenadas no bagageiro da moto, não hesitou em olhar enquanto o rapaz estava concentrado no trânsito. Percebeu que havia alguns embrulhos, saquinhos com umas pequenas coisinhas coloridas. Achou que eram remédios. Logo lembrou que sua mãe sempre tomava alguns muito parecidos com aqueles, quase que diariamente, s queixando de enxaquecas. Ela não sabia o que era isso, mas parecia ajudar sua mãe, pois ela ficava bem menos chata quando tomava. Sabendo que seu dia, talvez os próximos dias, seria difícil, ela pensou: “Por que não tomar um? Se é remédio, mal não deve fazer...” E tomou. Sem saber o que lhe esperaria nos próximos dias, guardou mais algumas drágeas.


Sem saber onde estava, Greice só percebeu que havia chegado ao destino porque Coelho havia desligado a moto.


- Chegamos, disse o rapaz ao abrir uma pequena portinhola numa parede à frente.

- Aonde? – Pergunta a desorientada menina, ao que percebe estar num local escuro e fechado, como se fosse o estacionamento de um edifício.

- Chega aí, vô te apresentar minha toca.


Coelho então olha para um lado e para o outro, e abre o grosso cadeado que traçava a portinhola na parede úmida. Os dois entram e Greice logo nota o caos do local.


- Repara na bagunça não, casa de homem é assim mermo, ta ligada? – Diz o rapaz apontando uma pequena e suja poltrona – Pode sentar aí, fica a vontade.

- Tu mora aqui?! Como assim, e tua casa no morro?

- Aquilo lá num é mais minha casa não, só meu esconderijo. To morando aqui agora.


A menina acha esquisito, pois mais fácil seria se fosse o contrário. Mas não questiona. Apenas se senta na poltrona e observa a zona ao redor. Pacotes de biscoitos vazios jogados no chão, algumas garrafas dos mais variados tipos de bebidas assim como de energéticos também... Eram apenas algumas das coisas que ela conseguiu identificar. A casa, se é que aquele cubículo escuro e úmido poderia ser chamado disso, era um lixo!


- Tô morando aqui porque é mais perto do trabalho. Fora que com o que eu ganho num dá pra pagar aluguel de alguma coisa melhor né? – Apressou-se em tentar se explicar o rapaz.

- Tranquilo – responde prontamente Greice, que tenta desconversar tratando de se explicar também – Esquenta não. Num vô ficar aqui muito tempo não. Só tenho que resolver o quê que eu vô fazer da vida.


Então Coelho olha mais uma vez no relógio, e logo diz a amiga:


- Pô, se liga só: num dá pra ficar contigo agora não. Tenho que vazar. Tô cheio de parada pra entregar e meu chefe vai ficar boladão se eu me atrasar. Tô ligado que tua vida deve ta mó doidera com essa parada aí de fugir de casa. Tu deve ta querendo conversar com alguém, mas pô, nem dá agora. Tenho que vazar mermo.

- Não pô, vai lá. Tá tranquilo. Tem caô não. Eu me viro.

- Então já é, então. Ó, fica com essa chave aqui. Quando eu comprei o cadeado vinheram duas chaves. Se tu for sair, fecha a porta, beleza? Tô metendo o pé, mais tarde nós troca uma ideia.



E sai o apressado Coelho. Greice fica ali sentada, por alguns segundos sem pensar em nada. Apenas olhando a parede, que então, parece começar a se mover. Ela não se importa, age como se fosse normal. Sempre ouviu as pessoas que estavam passando por situações difíceis dizendo que o mundo delas estava de pernas pro ar, ou que a vida tinha dado um nó. Nunca entendia certas expressões, mas ao ver a parede se movendo acreditou que estava começando a entender, ou pelo menos conhecer melhor essas coisas.


Depois de alguns minutos observando alguns objetos até então inanimados se movendo, ou mudando de cor, ela decide se levantar. Sentia sede. Muita sede. Como nunca havia sentido antes. Foi até ao frigobar, já que na ‘toca’ do Coelho não havia geladeira, e procurou por água. Apenas uma garrafa com menos da metade. Bebeu tudo, mas não saciara sua enorme sede. Haviam outras garrafas, que ela deduziu que fossem de bebidas alcoólicas. Já havia experimentado diversas bebidas com os amigos da escola, e nas festinhas de criança da comunidade. Sua mãe mesmo bebia quase que diariamente sua santa cervejinha, como ela mesma descrevia. Nunca havia gostado, achava amargo. Preferia as que os amigos faziam. Sempre com nome engraçados, como ‘pau na coxa’, ou ‘cuba’ e com ingredientes gostosos, como leite condensado ou refrigerante. Então bebeu, mesmo o sabor não sendo tão bom quanto as que os amigos faziam, afinal sua sede era absurda. Olhou o rótulo e não conseguiu identificar o que era aquilo, já que o nome parecia estar em inglês. Ela só soube que era isso, e não outro idioma porque reconheceu a palavra RED, uma das poucas coisas da língua que ela se lembrava de ter estudado na escola. O cheiro também não era dos melhores, parecia o álcool que sua mãe botava nos seus ralados que conseguia com os tombos de patins e skate nas ladeiras da comunidade. Até a cor parecia.


O mais estranho, é que depois de tomar uma boa golada direto do gargalo da garrafa, sua sede parecia não cessar e as coisas pareciam cada mais vivas e agora também o teto e o chão giravam. O cômodo que antes era pequeno e escuro, agora parecia ter dobrado de tamanho e ganhara cores, bem vivas por sinal. Seu olfato parecia mais aguçado também.


Rindo muito já daquela loucura toda, ela se levanta novamente e vai procurar outra coisa pra beber. Encontra então um engradado de latinhas. Pensou que fossem refrigerantes e abriu uma. Sem sequer se importar com o fato de estar quente, só não notou que tinha um sabor bem mais doce quando já estava a lata vazia. Também notou nesse momento que a lata era um pouco mais fina e comprida. Tentou ler o rótulo, mas as letras pareciam todas embaralhadas no meio de tantas cores. Só conseguiu identificar novamente a palavra RED. Desistiu de ler. E achou graça daquilo tudo novamente. Ria compulsivamente. Só não sabia de quê, exatamente. E subitamente lembrou-se do porquê de estar ali, e que não sabia o que faria de sua vida. E aí começou a chorar. Chorava tanto, que sentia que estava se afogando em suas próprias lágrimas. E de fato começou a se afogar. Entrou em desespero. Observou que um patinho amarelo passava feliz e sorridente nadando sobre seus olhos, que já enxergavam turvo devido a água que já estava lhe cobrindo. Foi aí que percebeu onde estava e se levantou.

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