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Greice na Cidade das Maravilhas - Parte 3

Assustada, ergueu a cabeça e arregalando os olhos, observou o vaso sanitário à sua frente. No seu delírio com o patinho de borracha, lembrou-se que enquanto bebia a última latinha sentiu vontade de vomitar e foi ao banheiro. Só não lembrava de como chegara lá nem de ter enfiado a cara lá dentro.


Sem forças nas pernas pra sequer ficar de pé, se arrasta para debaixo chuveiro, se estica pra abri-lo e deixa a água cair sobre seu corpo de roupa mesmo. Fica sentido a água super gelada batendo em seu corpo quente por algum tempo. Talvez horas. Vez ou outra vomitava. As vezes em si mesma.


Quando se cansa daquele ritual, se levanta, se seca e tenta fazer o mundo parar de girar e mudar de tamanho. Procura na mochila, seu vestido, o mais bonito que tinha. O único que trouxera. Se maquia, feita mulherão, conforme sua padrinha havia lhe ensinado. Em seus delírios embaixo do chuveiro, havia tido uma epifania (ainda que não soubesse o que isso significa). Decidira que arrumaria um emprego. Lembrou-se que alguém um dia lhe disse, que quando se vai arranjar um emprego deve-se ir muito bem vestido. Algumas amigas já haviam lhe dito que aquele era um vestido de piriguete. Greice achava que era tudo inveja. Pois se achava linda naquele vestidinho azul. Achava que ela ficava com cara de ainda mais velha, especialmente porque realçava seus seios, deixando-os ainda mais volumosos, como meninas da sua idade não poderiam ter.


Devidamente vestida, maquiada e perfumada, estava pronta pra começar uma nova vida, encontrar o mundo dos seus sonhos. Resolveu que deveria tomar mais uma drágea daquelas que escondera. Pensou bem e tomou logo duas, afinal aquele era o dia mais importante de sua vida até então. Tudo deveria ser perfeito.


Saiu, trancou a porta e colocou a chave na sua bolsinha, onde além dela só tinha a carteirinha da escola (único documento que levara em sua fuga). Ao sair daquele estacionamento onde ficava a toca do Coelho, percebe que deve ter passado realmente horas delirando: já era noite. Não sabia as horas, não tinha relógio. Pensou que deveria ter pedido um ao Coelho, já que ele deveria ter muitos pra ter certeza que nunca se atrasaria. Na verdade, não sabia nem exatamente onde estava, já que não prestou atenção no caminho que percorrera com o Coelho.


Simplesmente caminhou pela cidade. Sem destino. Nem muito objetivo. Não sabia o que queria fazer, ou melhor, o que sabia fazer. Os únicos trabalhos que já exercera foram de cabeleireira e manicure com suas amigas e irmãs. Outro dom que, segundo sua padrinha, havia herdado dela.


Enquanto andava e pensava distraidamente, fazia com que todas as criaturas que passavam por ela se contorcessem para admirá-la. Até que chegou a conclusão que faria a única que coisa que sabia mesmo, e parece ter dado certo com ela naquela noite: cuidaria da beleza alheia. Entrou num salão de beleza, que parecia ser 24 horas. Conversou com alguns cabeleireiros e manicures, até chegar ao dono.


Apresentou-se como Dodô. Logo de cara agradou aos olhos da menina. Era jovem pra ser dono de um salão de beleza, ela achou. E bonito. Aparentemente o homem também havia tido uma boa primeira impressão dela, afinal parecia hipnotizado ao olhá-la. Quando deu um forte aperto de mão e se apresentou, Greice primeiro tremeu nas pernas com o ato, e logo desencantou com a frase pronunciada por ele:

- Mu-mu-ito pra-prazer! Eu eu sou o Dodô, s-seu escravo!


Greice não entendera bem o que o homem quis dizer. Na verdade nem sabia bem se havia entendido o que ele disse. Dodô era gago.


- Então v-você quer s-s-ser cabelerera? – continuou o homem, ainda esperando pra ouvir a voz da menina.

- Ah, sim, é... Com certeza!

- Be-beleza. E v-v-você tem alguma ex-experiência? J-já fez iiiisso antes?

- Nunca ganhei dinhero com isso não, mas já fiz várias vezes com minhas amigas e família. E nunca tive reclamação não!


Dodô sorri, o que faz Greice tremer novamente. Sensação estranha, coisa que ela nunca havia sentido.


- Bo-bom, vontade t-tô vendo que tuuu tem. M-mas a gente t-tem que teee t-testar. Tu táá com s-sorte mesmo. Hooooje v-vem um g-gruupo de gazelas que vão paaarticipar de um con-concurso qu-que nós taamo pro-prooomovendo. Ti-tiiipo uma coooorrida de cabelereros. Tááá afim de p-paart...

- Claro, demorô! – Interrompe Greice, já sem paciência pra toda aquela demora toda pra falar.


E assim, Greice, conversando com Dodô, concluiu que talvez sua sorte esteja mesmo lhe sorrindo. A tal competição seria apenas a primeira de muitas oportunidades, que certamente viriam.


Já Dodô, também via oportunidades naquela linda menina. Mas pra ele a competição era o que menos importava. Ele via outros potenciais na menina. Só que antes precisava da confiança dela.


Greice, enquanto isso, começa a sentir cada vez mais os sintomas estranhos de quando conheceu Dodô. Na verdade tudo está mais intenso. Um súbito calor, junto com seus sentidos aguçados novamente. Mas dessa vez mais ainda. Parecia que todas as cores lhe saltavam aos olhos, todos os cheiros se misturavam, o perfume de Dodô lhe parecia a pior das colônias. Fora sua voz, que já era forte, estava quase insuportável. E o calor, que estava quase lhe fazendo arrancar o vestido. Dodô percebera a inqueatação da menina, e desconfiava do que estava acontecendo. Precisava manter a calma. Deu muita água pra ela, e tentava manter conversar amenas. Era preciso foco.


Mais tarde, acontece a competição. Até então, Greice não havia entendido bem o que Dodô quis dizer com gazelas. E realmente, ao observar seu redor, ela se sentia como se estivesse num jardim. Havia ali os mais variados tipos de flores, como seu irmão costumava chamar aqueles meninos diferentes. Também conhecia vários nomes de animais diferentes usados para o mesmo fim. Todos impressionados com a beleza exuberante da moça ali, afinal, estavam acostumados com mulheres feias, gordas, e de cabelos estranhos exercendo a profissão.


Acontece que além de bonita, a moça ali também tinha mesmo muito talento com a tesoura e outros utensílios de salão de beleza. Em poucos minutos mostrara criatividade e rapidez. Tudo que era preciso pra ganhar a competição. O que ela fez. Além de chamar ainda mais atenção de Dodô. Que a essa altura, já havia chamado sua convidada especial pra ‘festa’.


Uma gorda e ruiva senhora. Ar de perua. Ninguém sabia seu nome, conheciam-na apenas como Rainha de Copa. E parecia mesmo uma rainha. Seu olhar metia medo.


A Rainha entrega o troféu (desses comprados baratinho em qualquer loja de esportes) à vencedora. Greice, claro, se sentia o máximo. Nem mesmo se importava com seus sentidos gritando e com o calor infernal que sentia. Na verdade mal se lembra de alguns detalhes do que viria a seguir. Lembra-se apenas de flashes.


Num momento estava no salão, recebendo o troféu das mãos da horrenda senhora gorda, que se apresentara a ela como Rainha de Copa. Depois, como se tivesse sofrido um apagão, tem outro flash de memória. Agora estava entrando num local com musica alta, e muitas cores e cheiros fortes, talvez de cigarro, ou algo assim. Talvez fosse tudo apenas culpa desses sentidos aguçados. Novo apagão, e ela se encontra agora sentada em frente a um espelho, com muita maquiagem. Surge-lhe à frente a Rainha, que com um sorriso que intercala dentes podres e de ouro, lhe diz dando uma baforada de charuto no rosto: “Bem vinda ao meu palácio!”. Daí por diante, os flashes passam a ser mais rápidos, parecendo seguir o ritmo frenético de um jogo de luzes que teimava em piscar cegando-lhe a cada piscada. Calor intenso. Pessoas se esfregando. Bebia muita água. Só não sabia de onde vinha tanta sede e toda aquela loucura ao seu redor. Só sabia que estava experimentando as sensações mais intensas que já havia sentido.

No abrir de olhos seguinte, estava sentada numa privada suja num cubículo de banheiro. Com o justíssimo vestidinho azul encharcado, sabe-se lá se apenas de suor. Se levantou. Olhou ao redor, sentia um fedor horrível, como se tivessem urinado em todos os cantos daquele lugar, menos nos vasos. Fora outros odores, igualmente desagradáveis. Ouviu barulhos vindo de um dos banheiros. Passou em frente, a porta estava fechada, mas percebeu que ali havia mais de uma pessoa. Eram três meninas. Tão bonitas como nunca havia visto antes. Com maquiagens borradas, e olhos distantes. Se beijavam alucinadamente, como se não houvesse amanhã. Duas delas estavam de frente uma pra outra, e outra por trás. A do meio, com os seios de fora, com as mãos dentro da saia da que estava à frente, enquanto tinha uma das mãos da de trás dentro da sua, ao mesmo tempo que tinha o pescoço lambido por esta. Greice ficou alguns segundos assistindo a cena, fascinada. Uma das meninas, a de trás, percebe então sua presença e com um lindo e sedutor sorriso a convida:


- Quer brincar também? Pra você tem vaga...


Greice não reage, continua fascinada com cena. A bela menina, de lindíssimos olhos azuis que estavam fundos e avermelhados, com cabelos lindos e bem tratados, apesar de todo desgrenhado, sai dali e deixa as outras duas, que pareciam em estado de transe. Vem em direção à Greice observando-a de baixo à cima, como se a medisse. Ainda com o mesmo sorriso sacana nos lábios pergunta:


- Quer um pouco? – Mostra-lhe um estojo de maquiagem dentro de sua pequena bolsa. Greice já ia agradecer, quando a menina abre o estojo e espalha um pouco do pó sobre a pia do banheiro. Retira então um cartão de crédito da mesma bolsa, e com ele, junta o pó numa pequena carreira. Olha novamente nos olhos de Greice e num instante cheira tudo. Greice fica estarrecida, já havia ouvido falar daquilo mas nunca havia presenciado. Achava que acontecia apenas na favela. Com a maior naturalidade a jovem guarda todos os utensílios e se aproxima dela. Chega bem próximo do seu rosto, olha no fundo de seus olhos, e sem nenhuma palavra, apenas com o mesmo sorriso de antes, enrosca sua mão na nuca de Greice e enfia a língua dentro de sua boca. Greice nem tem tempo de reagir, só consegue assimilar o que acontecera alguns segundos depois. Até porque, já havia beijado antes, muitas vezes. Mas nunca uma outra menina. E nunca havia sido tão bom. Talvez por conta de seus sentidos estarem apurados...

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